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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Divã

Oi. Então, tô aqui pra te contar umas coisas. Um desabafo, como dizem por aí. Você já deve estar acostumado.
Antes de vir parar aqui, nessa sua sala bem iluminada com paredes verde-claro, poltrona confortável e plantinhas sobre a mesa eu estava em casa - o senhor preste bem atenção nessa última palavra, eu acho que ela é importante.
A primeira coisa que fiz após acordar e antes de vir pra cá foi tomar banho. Lá começou a guerra com o chuveiro. Ô povinho miserável esse que presta serviços em casa, tu não concorda? Lá em casa (ó, de novo) já aconteceu muito: empregada que combina que vai ficar com a gente e aparece só uma vez, pintor que nunca dá as caras, gente que vai consertar geladeira e some com ela por bem mais tempo do que o previsto, e assim por diante. A última vez, como eu ia contando, foi com o chuveiro. O cara enrolou a gente até aparecer, aí um belo dia veio aqui, meu avô o acompanhou (sim, eu moro com os meus avós, anote isso também) e o homem "arrumou" o objeto problemático. Só que desde então cada banho que eu tomo (logo pela manhã) tem sido uma tortura! A minha querida ducha está toda desregulada, de modo que passa o tempo todo em que estou sob a dita cuja esquentando e esfriando a temperatura absurdamente, além de alterar a intensidade da água conforme vontade própria. Logicamente que hoje de manhã não foi diferente. E eu gritei, doutor, eu berrei sozinha debaixo daquele monte de gotas. Não que eu seja doida, você, um cara estudado, sabe que qualquer pessoa normal faz dessas coisas, né? A minha avó até veio bater na porta, inutilmente, óbvio, porque eu não ouvia muita coisa (que idéia a dela!). Tá. Aí, depois desse banho relaxante eu fui tomar café. Mas antes que eu chegasse à cozinha, comecei a ouvir aquele som bem cotidiano, diário, frequente, CONSTANTE: padres, corais, fiéis cantando em coro, essas coisas. E não pense que era uma procissão. Era na televisão. Como acontece todo dia, em vários horários. Missa, missa, e mais missa. Talvez seja alguma espécie de castigo pelo fato de eu ser atéia. Além das missas imperarem dentro de casa, o volume da TV é algo do qual eu não posso fugir. Se eu me refugio no quarto, ouço ao longe as cantorias e pregações. Silêncio é uma coisa rara. Até porque, se não é missa, é programa policial, o senhor imagine! Mas como eu ia dizendo, além da costumeira missa, ouvi meu avô me chamando, perguntando o que acontecia no chuveiro. Expliquei e ele, como se dissesse que eu estava inventando, insistia em afirmar que estava ao lado do encanador quando o conserto foi feito e que ele havia mexido em locais que não interfeririam no que eu relatava. Teimosia de gente idosa. É melhor deixar pra lá antes que se enlouqueça. Bom, aí, depois de mais esse momento zen, fui enfim tomar meu café, que foi levado para o quarto, numa tentativa de ouvir o menos possível a barulheira da tv. Aí eu fico pensando, né, doutor, será que o stress que eu venho sentindo, essa impaciência toda, essa ansiedade e irritação, tem alguma coisa a ver com a minha casa?


Priscila Bonatto

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